Sandro Mesquita
Sobre vilões e heróis: o simbolismo da violência
Por Sandro Mesquita
Coordenador da Central Única das Favelas (Cufa) Pelotas e Extremo Sul
[email protected]
Não sou muito bom em histórias em quadrinhos, mas li alguns gibis na minha adolescência e acompanhei o surgimento de heróis que depois ganharam as telas de TV e cinemas. E tudo que envolvia suas criações, seus poderes, uniformes com capas e cinturões cheios de possibilidades de defesas, ataques e truques que ao passar dos anos se modificavam, se atualizavam de acordo com os avanços tecnológicos e as transformações que os próprios super heróis sofriam e que também tinham um pouco a ver com a surgimento de algum vilão, inimigo pessoal e da sociedade. Com todas as ameaças sofridas ao sistema mundial, com crises no universo de onde alguns de nossos defensores vêm, com suas histórias de abandono, separação da família, fuga do caos de suas terras ou já com a incumbência de salvar o planeta do mal.
Nessa trajetória, alguns heróis sofrem mutações, passam por crises de identidade e até têm suas personalidades abaladas por diversas questões que atravessam suas almas e que os tornam com atitudes duvidosas. Por outro lado, fico questionando as investidas dos vilões pelo controle da terra, seu sistema, suas riquezas e a sede cega de poder, que beira uma personalidade sociopata que não tem limites pra conquistar o seu objetivo. Mas ao mesmo tempo, em nome da defesa da humanidade, super heróis com seus poderes e alicerçados pelas forças de segurança para atingir seus arqui-inimigos percorrem caminho de devastação da sociedade, destruindo prédios, carros e tudo há pela frente.
Nessas imagens fictícias que enchem as telas e ficam em nosso imaginário, a violência está de todas as formas e por todos os lados simbolizados. Quando temos o encontro dessas personalidades cheias de desejos e sede de justiça a partir de seus pontos de vistas e suas perspectivas, temos um cenário onde todos que estão envolvidos indiretamente precisam se mobilizar pra reconstrução de tudo que foi destruído e que nem sempre são somente as coisas materiais. Às vezes não sabemos quem são heróis ou vilões, às vezes vilões se vestem com uniformes de heróis, às vezes heróis tem atitudes de vilões.
Nós não temos um super herói nacional que se vista com um uniforme e capa que tenham as cores da nossa Nação, um escudo como o Capitão América. Mas aquilo que nos simboliza como povo, que é nossa bandeira e a camiseta da seleção brasileira de futebol que historicamente nos deu alegria, têm sido usados, como no dia 8 de janeiro, em forma de uniformes por pessoas que talvez se julguem heróis em nome da justiça, com discurso de defesa da sociedade contra algum vilão.
Vestir uma camiseta da CBF e se enrolar na bandeira como se fosse uma capa parece dar poder para poder fazer o que quiser, onde quiser, da maneira que quiser. Parece realmente dar um poder de imunidade, pois há anos as ruas estão cheias de pessoas travestidas de heróis, com discursos de paz nacional, que protagonizaram as mesmas cenas dos cinemas, também deixando um rastro de destruição.
O simbolismo da violência nos filmes de ficção se torna realidade, se materializa nas atitudes de pessoas. O simbolismo da camiseta da Seleção, que outrora era muito usada por pessoas das camadas sociais mais populares, hoje é usada por uma classe média-alta, mas sem os nomes dos jogadores ou personalizadas, talvez pelos jogadores serem a maioria negros. O simbolismo da bandeira é deturpado, com ela sendo usada para qualquer ato, inclusive de destruição do patrimônio público.
Longe de separar o joio do trigo, ou seja, dizer quem é vilão ou herói, não podemos cair na armadilha fictícia. Pois aqui é vida real.
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário